Trancoso, um dos destinos turísticos mais cobiçados do Brasil, enfrenta uma crise ambiental e social sem precedentes. O acesso ao icônico Mirante do Rio Verde, ponto turístico que atrai milhares de visitantes anualmente, foi bloqueado por grupos que se aproveitam da fragilidade institucional para promover a grilagem de terras e a privatização irregular de áreas públicas. A situação expõe não apenas a impunidade que reina na região, mas também o descaso das autoridades com o patrimônio natural e cultural do país.

O Caso
Moradores locais e turistas denunciaram que cerca de dois meses atrás, barricadas improvisadas começaram a surgir nas estradas de acesso ao mirante. Posteriormente, placas de “propriedade privada” foram instaladas, impedindo a passagem de pessoas que desejavam visitar o local. Investigação realizada pelo AtlasVes revelou que essas barreiras foram erguidas por supostos “proprietários”, cujas terras são alvo de disputas judiciais há anos.
Segundo documentos obtidos pela reportagem, grande parte dessas áreas nunca teve seu processo de regularização concluído. Muitas delas foram adquiridas ilegalmente por meio de títulos de posse forjados ou registros fraudulentos no cartório. Essa prática, conhecida como grilagem, tem sido amplamente documentada em outras regiões do país, mas raramente enfrenta consequências reais em Trancoso, onde influência política e interesses econômicos parecem prevalecer sobre a lei.
Impacto Ambiental
O Mirante do Rio Verde está situado em uma área de preservação ambiental, cercada por Mata Atlântica remanescente e cortada por nascentes que abastecem comunidades locais. O bloqueio do acesso não apenas afeta o turismo sustentável, mas também compromete a vigilância contra crimes ambientais, como desmatamento ilegal e caça predatória.
Um relatório recente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) aponta que a região tem registrado aumento significativo no desmatamento nos últimos dois anos. O fechamento do acesso ao mirante dificulta ainda mais a fiscalização, permitindo que madeireiras clandestinas e criadores de gado ocupem ilegalmente áreas protegidas.

Reação da Comunidade
A população local está indignada. Maria das Dores, moradora de Trancoso há mais de 40 anos, afirma que o bloqueio do mirante é um ataque direto à cultura e à identidade da região. “Esse lugar sempre foi de todos nós. É onde celebramos festas tradicionais, onde nossos filhos brincam e aprendem sobre a natureza. Agora, querem transformar tudo isso em lucro para poucos”, disse ela durante uma manifestação organizada na semana passada.
Grupos indígenas e quilombolas, cujas terras estão próximas ao mirante, também se mobilizaram contra a invasão. Eles argumentam que a ocupação irregular viola tratados internacionais e leis brasileiras que garantem a proteção de seus territórios ancestrais. “Essa terra já foi nossa antes mesmo de existirem propriedades registradas. Não vamos permitir que criminosos tomem o que nos pertence”, declarou José Antônio, liderança da comunidade quilombola de São João.
Omissão das Autoridades
Apesar das inúmeras denúncias protocoladas junto ao Ministério Público Estadual (MPE), ao IBAMA e à Polícia Federal, nenhuma medida efetiva foi tomada até o momento. Questionado pela reportagem, o prefeito de Porto Seguro, município ao qual Trancoso pertence, afirmou que “não há jurisdição municipal sobre áreas em disputa”. Já o governador do estado responsabilizou o governo federal, alegando falta de recursos para agir.
O silêncio das autoridades contrasta com os investimentos bilionários anunciados recentemente para o desenvolvimento turístico da região. Empresas ligadas ao agronegócio e ao mercado imobiliário têm pressionado pela flexibilização de normas ambientais, enquanto políticos locais acumulam patrimônios suspeitos em meio à especulação fundiária.
Uma Batalha Nacional
O caso do Mirante do Rio Verde não é isolado. Em todo o Brasil, áreas públicas vêm sendo privatizadas ilegalmente, colocando em risco ecossistemas inteiros e comunidades vulneráveis. No entanto, a visibilidade de Trancoso torna este episódio particularmente simbólico. Se nada for feito, o destino desta região pode servir de exemplo para outras partes do país, onde a exploração predatória caminha lado a lado com a impunidade.
Agora, cabe à sociedade civil pressionar por respostas. Movimentos populares, ONGs ambientais e associações de moradores planejam realizar uma grande manifestação em abril, exigindo a desobstrução imediata do acesso ao mirante e a criação de um plano de gestão participativa para a área. Enquanto isso, o debate continua: até quando o Brasil permitirá que interesses privados prevaleçam sobre o bem comum?